quinta-feira, 30 de abril de 2009

Artigo opinião publicado no 24 horas de 21 de Abril

Arrendamento Jovem – Uma morte não anunciada

Começa hoje mais uma fase de candidaturas ao programa Porta 65 Jovem. É momento para milhares de jovens ficarem novamente surpreendidos quando não conseguirem submeter a candidatura. O aparelho burocrático exclusivamente online, sob a capa da inovação tecnológica, da facilidade de acesso e da melhor fiscalização, acaba por lançar no desespero os muitos jovens que se apercebem que o único objectivo é diminuir o número de possíveis candidatos. E o orçamento claro está. O José vai aperceber-se que não pode concorrer porque só começou a trabalhar em Agosto do ano passado. Nos outros meses esteve desempregado logo não tem acesso. A Catarina teve baixa de parto por isso também não vai conseguir. Já o João também só começou a trabalhar em Agosto mas com o seu ordenado chorudo até consegue acesso. É esta a justiça deste programa. Os nomes são ficcionados; as histórias bem reais.

O Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ) arranca, em 1992, com apenas mil beneficiários quando, em 2007, este número finalmente engordara ascendendo aos 25 mil, o Estado elabora o golpe estratégico que arruma o programa na gaveta anunciando a necessidade de se criar um novo projecto que ponha cobro à manifesta desonestidade por parte dos jovens que acederam a esta garantia. No parecer do Tribunal Constitucional foram reveladas inúmeras ilegalidades por parte dos beneficiários. Sabemos agora que a grande maioria dessas ilegalidades são referentes a um mês de devolução do apoio e que o próprio Instituto da Habitação foi declarado pelo Tribunal Constitucional conivente por inacção com a situação.

A deturpada ilusão prolifera nos media. Os jovens são chamados de gatunos e irresponsáveis. Mas o que esteve realmente na origem do seu fim? A urgência de cortar custos em áreas essenciais ao bem-estar social. Recentemente, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território revelou que o orçamento era suficiente porque nem sequer tinha sido plenamente utilizado esquecendo-se de referir que não é esgotado porque os muitos jovens nem sequer conseguem candidatar-se. Esquecendo-se de referir que existem agora menos de metade dos jovens apoiados e que o orçamento para o arrendamento jovem é menos de metade do que o existente em 2007.

Num momento de crise, numa altura em que o trabalho jovem é cada vez mais precário e a mobilidade uma necessidade, cria-se um programa para apoiar jovens com rendimentos médios, emprego estável e que não mudem de casa pois nesse momento cessa o apoio. As alternativas são inexistentes: o crédito jovem bonificado foi extinto em 2002 e a famigerada bolsa de habitação, com fogos a preços controlados, começou mais de um ano depois de ter terminado o IAJ: com apenas 127 fogos e sem que os jovens que não entraram na Porta 65 possam ter acesso privilegiado aos mesmos. Não deixa de ser irónico que o Porta 65, cujo nome deriva do artigo da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito a habitação, seja mais um entrave a este direito e deite por terra o artigo 70 que refere que os jovens gozam de protecção especial no acesso à habitação.

Como o governo não pode extinguir oficialmente o apoio ao arrendamento sem cair em inconstitucionalidade, decidiu extingui-lo de facto, criando uma fachada chamada Porta 65 Jovem. A isto se chama hipocrisia e desonestidade. Não deve persistir esta leviandade e cegueira quando se trata de assuntos de desenvolvimento do país e que afectam directamente os seus cidadãos. O acautelar dos direitos básicos da nova geração é uma estratégia fundamental para um melhor desenvolvimento do país sob pena de hipotecar o futuro e assistir passivamente à emigração forçada dos jovens.